Um Programa de Governo é, além de uma obrigação prevista na Constituição, um ponto de partida, onde constam as orientações para os próximos 4 anos, mas não é um fim em si mesmo.
Na apresentação do Programa, foram anunciadas cedências às propostas efetuadas pelos partidos na campanha eleitoral, com a inclusão de cerca de 60 medidas, aproveitando aquelas que talvez fossem mais fáceis de se compatibilizar com a sua visão – o chamado “cherry picking” – e de tentar demonstrar boa-fé para os tempos que se avizinham, mas também porque será necessário o apoio parlamentar.
Feito o contexto, e tendo sido considerada a “prioridade (máxima) a redução da carga fiscal” (expressão do atual Ministro das Finanças no Parlamento), mas considerando também o destaque que tem sido dado (pelo Governo e não só) à fiscalidade, este artigo foca-se neste tema que desperta em todos uma relação de amor/ódio: pode não ser o tema mais fascinante para a maioria, mas tem existido um interesse cada vez mais acentuado para estes temas.
Esta crescente atenção e destaque para os impostos pode também explicar-se pela elevada carga fiscal (i.e., total de impostos e contribuições efetivas para a Segurança Social em percentagem do PIB) existente em Portugal, que tem batido sucessivos recordes, sendo que os dados mais recentes do INE apontam para 35,8%.
Mas não só.
Também o esforço fiscal (i.e., a carga fiscal ponderada em função do nível de vida) é excessivamente alto em Portugal e é este o indicador mais fiável para medir o impacto que os impostos têm. Aqui, segundo o Instituto +Liberdade, que tem em consideração os valores do Eurostat (que, em 2022, colocavam Portugal em 13.º na UE em termos de carga fiscal) e uma metodologia específica, Portugal tem o 4º maior esforço fiscal na UE.
Ora, face a estes (e outros) números, percebe-se a intenção (e necessidade) de redução de impostos e consultando os diferentes programas dos partidos, verifica-se que há medidas que estão mais perto de serem aprovadas do que outras.
Vamos a um breve exercício – que não é exaustivo, mas apenas exemplificativo de como se podem comparar medidas, tomando-se em consideração os partidos que poderão ter um papel importante na “aprovação” do Programa (PS, Chega e IL):
- No IRS – redução dos limiares dos escalões do IRS, bem como a adoção do “IRS Jovem” de forma duradoura, com uma redução de 2/3 nas taxas de 2023, tendo uma taxa máxima de 15% aplicada a todos os jovens até aos 35 anos, com exceção do último escalão.
O PS, Chega e IL defendiam a redução do IRS, sendo que os dois últimos partidos defendiam, grosso modo, uma taxa de 15% para todos, embora com variantes.
- No IRC – redução gradual da taxa nominal de IRC, atualmente em 21%, bem como a redução das derramas estadual e municipal e ainda da tributação autónoma sobre as viaturas das empresas.
O PS no seu programa propunha algo semelhante ao que foi agora proposto para a tributação autónoma sobre as viaturas das empresas. Por seu turno, o Chega defendia uma taxa de 18% e 15% (para as Regiões Autónomas e interior) do IRC, enquanto a IL defendia uma taxa de 12% no IRC e uma redução transversal da tributação autónoma e não apenas para veículos.
- No IVA – redução da taxa, para 6% (atualmente em 23%), nas obras e serviços de construção e reabilitação.
O Chega defendia a isenção do IVA na construção da primeira habitação, enquanto a IL defendia a redução do IVA para 6% na nova construção.
- No património – eliminação do IMT e do Imposto do Selo sobre a aquisição de imóveis destinados a habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos e ainda a revogação da Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local.
O Chega e a IL defendiam a eliminação do IMT na compra de habitação própria e permanente, bem como a revogação daquela contribuição sobre o Alojamento Local.
Com este (muito) breve exercício, verifica-se que o que separa os três partidos e o Governo é algo teoricamente alcançável, desde que exista essa vontade. Poderia assim parecer fácil, mas a realidade do sistema político em Portugal tenderá provavelmente a mostrar o contrário.
Deste modo, e embora não descurando a necessidade de diminuição da dívida pública e de equilíbrio orçamental, esta prioridade e vontade de reduzir os impostos é bem-vinda, além de necessária para o pretendido crescimento económico, aumento do investimento em Portugal e em complemento de outras medidas não fiscais. A este propósito, é certo que existem estudos e artigos para todos os gostos, contudo são já vários os estudos, onde se inclui a OCDE, que demonstram que impostos altos, numa economia como a nossa, são penalizadores para a atividade económica.
Em paralelo, será importante perceber como será desenhada, calendarizada e implementada esta redução da carga fiscal. Mas também a sua comunicação, que é um fator tão importante como os outros – exemplo disso, foi agora a recentemente anunciada redução do IRS.
Face a tudo isto, podem, assim, os cidadãos e as empresas, aguardar por um futuro onde a prometida redução fiscal não é apenas mais uma promessa, mas um plano a ser cumprido?