A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre a sujeição a IVA das reparações de bens no período de garantia já tem longa vida, datando o Ofício-Circulado n.º 49424 sobre o tema de 4 de Maio de 1989.
De acordo com este Ofício, as reparações efetuadas no decurso do período de garantia só configuram operações não sujeitas a IVA se efetuadas a título gratuito, entendendo que as reparações se encontram tacitamente incluídas no preço de venda do bem abrangido pela garantia, não sendo, assim, assimiladas a operações efetuadas a título oneroso, conforme artigos 3.º, nº 3 alínea f) e 4º nº 2 da alínea b), do Código do IVA.
No entanto, se as reparações forem objeto de faturação, estar-se-á perante operações efetuadas a título oneroso, tributáveis nos termos gerais do Código do IVA. Daqui resulta que, com a emissão de fatura, nasce a obrigação de liquidação de IVA, o mesmo acontecendo se, em vez de um débito (pelo reparador ou concessionário), há um crédito comunicado pelo concessionário ou fabricante.
Ora, foi o litígio a este respeito, que opunha uma entidade estabelecida em Portugal à AT, reenviado pelo STA para apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
Se, por um lado, o sujeito passivo considerava que as notas de débito controvertidas correspondiam ao reembolso dos custos incorridos, não se tratando de prestações de serviços a título oneroso visto não ter gerado qualquer rendimento, logo, não sujeitas a IVA, a AT entendeu que as operações correspondem a um fornecimento efetivo de serviços em Portugal, portanto, que deveriam ter sido sujeitos a imposto, nos termos do referido Ofício‑Circulado.
Ora, de acordo com o acórdão proferido no processo C-605/20, de 24.02.2022, o TJUE considera que a sujeição a IVA, por força do art. 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/ CE (transposto para o art. 1.º, n.º1, al. a) do Código do IVA), está sujeita, à verificação de cinco critérios: i) que a operação constitua uma prestação de serviços, ii) efetuada a título oneroso, iii) que ocorra no território de um Estado‑Membro – Portugal, iv) seja efetuada por um sujeito passivo, v) agindo nessa qualidade.
Após a devida análise da matéria de facto e de direito, adicionalmente aos critérios iii), iv) e v) que se consideraram preenchidos, o TJUE concluiu que as operações em causa não podem equivaler a uma transferência de material defeituoso para o fornecedor para reparação ou substituição, uma vez que foi o comprador dos bens que foi encarregado pelo fornecedor de efetuar um certo número de serviços destinados a executar a garantia desse fornecedor, pelo que se está perante uma verdadeira prestação de serviços. Também quanto ao carácter oneroso, a retribuição do prestador de serviços parece corresponder às notas de débito controvertidas, encontrando-se assim preenchidos os critérios de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, conforme Diretiva IVA.
Assim, e em linha com o que tem sido doutrinado pela AT, conclui o TJUE que se identificado o prestador de serviços, o adquirente e a natureza das prestações em causa, devidamente contabilizadas com um título que confirma a sua natureza (de serviços e que deram lugar a uma retribuição recebida pelo prestador que constitui o contravalor efetivo dos referidos serviços sob a forma de notas de débito), deve a operação ser considerada uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, independentemente da eventual inexistência de lucro do sujeito passivo ou de uma garantia relativa aos bens objeto das referidas prestações.