O mercado de M&A em Portugal nos referidos segmentos tem registado uma dinâmica crescente nos últimos anos, impulsionado por capital internacional, movimentos de consolidação setorial e oportunidades de investimento interessantes em determinados sectores (dos quais destacamos o sector imobiliário, tecnológico, industrial e saúde).
Sendo certo que o M&A em Portugal já não se cinge a operações de grande dimensão, à medida que a sofisticação das operações aumenta, continuam a emergir fragilidades estruturais no ecossistema empresarial:
- Uma das mais frequentes — e não raras vezes negligenciada — reside na falta de preparação das apelidadas empresas familiares (i.e., empresas em que existe uma ligação direta entre a família proprietária e o negócio, o que pode influenciar tanto a estrutura de governação como as decisões estratégicas) e da respetiva estrutura acionista para enfrentar um processo de alienação ou de reforço de capital de forma harmonizada, nomeadamente de um ponto de vista fiscal;
- É também recorrente encontrar estruturas de detenção de capital desajustadas, quer por ausência de sociedades holding (nos casos em que a sua interposição entre os acionistas últimos e a sociedade a ser alienada possa ser justificada por razões de negócio), quer por participações dispersas por vários sócios (e.g., herdeiros).
Estas condições não só dificultam as negociações, como podem agravar a carga fiscal (e.g., sobre uma potencial mais-valia decorrente da alienação de capital).
É frequente os detentores do capital procurem aconselhamento especializado numa fase avançada das negociações, quando opções de reorganização societária e de planeamento fiscal já são limitadas ou inexequíveis.
O resultado é um impacto económico direto e, por vezes, substancial, no valor líquido da operação para os vendedores, no esforço exigido aos compradores e, por vezes, na viabilidade da transação.
A título meramente exemplificativo, recorremos ao caso paradigmático de um empreendedor (residente para efeitos fiscais em Portugal) que detém, diretamente, participações sociais maioritárias em sociedades comerciais:
- Aquando da alienação de participações sociais (não admitidas à negociação em mercado regulamentado), o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias resultantes da alienação de partes sociais é tributado (em sede de IRS), enquanto rendimentos da categoria G, à taxa autónoma de 28%, no caso de não se optar pelo englobamento (sem prejuízo das situações em que o englobamento tem natureza obrigatória, podendo a mais valia ser considerada em apenas 50% caso a participação alienada seja de uma micro ou pequena empresa.
- Não obstante, uma mais-valia decorrente da alienação de participações sociais poderá, em determinados casos, estar excluída na determinação do lucro (neste caso, em sede de IRC) na esfera de uma sociedade holding que esteja interposta entre o investidor e a sociedade alienada (permitindo uma gestão otimizada do património resultante da operação, mitigando impactos fiscais e potenciando novas oportunidades de crescimento e preservação de valor). Estas sociedades holdings são tipicamente incorporadas como veículo agregador de um conjunto de empresas e negócios, criando sinergias na respetiva gestão, permitindo operações centralizadas de financiamento ou reinvestimento de lucros entre participadas sem a necessária intervenção dos acionistas últimos, pessoas singulares.
Em Portugal, as empresas familiares continuam, de uma forma geral, relutantes em abrir o capital ou alienar as suas participações. Por vezes, tal relutância decorre de um forte apego emocional ao negócio ou a um certo estigma histórico em relação ao private equity, geralmente associado a desalinhamentos entre os objetivos dos fundadores e as estratégias dos novos investidores (muito embora existam hoje operadores de capital privado colaborativos e alinhados com uma criação de valor sustentável). Ainda assim, revela-se crucial que as estruturas societárias das PMEs portuguesas estejam preparadas — mesmo que um cenário de alienação não esteja em cima da mesa — para que, se e quando chegar o momento, o processo decorra de forma harmonizada e fiscalmente otimizada.
Salientamos que a relevância de uma estruturação fiscal e planeamento adequado em processos de M&A não se limita à definição de uma estrutura de detenção de capital que possibilite uma alienação de participações sociais otimizada de um ponto de vista fiscal.
- Assegurar que a empresa se encontra organizada do ponto de vista fiscal antes do processo de venda revela-se fundamental. Este processo inclui assegurar o cumprimento dos procedimentos fiscais (por forma a corrigir potenciais contingências fiscais – riscos que os compradores refletem no preço) e, bem assim, que a empresa está devidamente otimizada de um ponto de vista fiscal, nomeadamente no que respeita à utilização dos benefícios fiscais a que tem direito. Uma empresa que não aproveita ativos fiscais disponíveis poderá estar a comprometer o seu valor, pois esses ativos poderiam representar benefícios económicos importantes que impactam a valorização da empresa e, por consequência, as negociações com o comprador.
Este tipo de situação continua particularmente presente no mercado português, onde uma parte significativa do tecido empresarial permanece ancorado em modelos familiares, muitas vezes com baixa exposição a práticas de governação corporativa evoluídas ou cultura de preparação para eventos de liquidez.
Um adequado planeamento pré-alienação não passa apenas por uma questão de otimização fiscal — mas contém uma componente relevante da criação de valor.
A ausência de planeamento é silenciosa, mas os seus custos podem ser ruidosos. Uma negociação bem conduzida pode, de facto, criar valor — mas sem um planeamento fiscal adequado, parte desse valor perde-se antes de chegar às mãos dos empreendedores.