O Governo aprovou em Conselho de Ministros e à margem da discussão sobre a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), um conjunto de medidas fiscais que procuram responder à crise habitacional, promovendo aumento da oferta de novos fogos e a colocação de mais imóveis no mercado de arrendamento. A estratégia, integrada no programa “Construir Portugal”, aposta num “choque fiscal” que procura estimular a oferta através de incentivos dirigidos a senhorios e promotores.
Entre as medidas recentemente anunciadas pelo Governo, e do pouco que foi dado a conhecer sobre o conteúdo das mesmas, tem sido destacada a proposta de aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) à construção de habitações com valor de venda até 648 mil euros ou destinadas a arrendamento, com renda considerada “moderada”, até 2.300 euros mensais. Este conceito tem gerado debate público, já que os limites definidos aproximam-se de segmentos médios-altos do mercado, levantando dúvidas sobre a sua eficácia para responder às necessidades habitacionais das famílias com rendimentos mais baixos. Além disso, a operacionalização da medida continua envolta em incerta, o que pode comprometer a previsibilidade dos projetos ou atrasar decisões de investimento.
Ainda na tentativa de recuperar um mercado de buil-to-rent que não logrou descolar sob a égide do “Pacote Mais Habitação” posto em marcha pelo anterior executivo, o Governo apresenta incentivos adicionais para aqueles que desenvolvam projetos de construção para arrendamento moderado ou atribuam ao Estado a gestão de imóveis sob esta modalidade, designadamente isenções de IMT, IMI e AIMI e reduções de IRC. Para atrair a captação de poupanças das famílias para esta finalidade, no caso de projetos desenvolvidos através de fundos ou sociedades de investimento, propõe-se ainda a redução da taxa de imposto aplicável sobre os lucros distribuídos aos participantes que invistam neste segmento.
Por outro lado, e sempre em busca de um choque no mercado de arrendamento, o Governo pretende reduzir a tributação em sede de IRS, de 25% para 10%, para os senhorios que pratiquem rendas moderadas, em claro incentivo de uma maior adesão a este mercado por parte dos proprietários que continuam céticos quanto à credibilidade e liquidez do mesmo. Ainda nesta linha, propõe-se que a isenção de IRS sobre mais-valias com a venda da primeira habitação seja alargada aos casos de reinvestimento em imóveis para arrendamento moderado.
Do lado da procura, são alargadas as deduções fiscais em sede de IRS a inquilinos. Por outro lado, o agravamento do IMT para cidadãos estrangeiros (excluídos emigrantes) procura travar a pressão externa sobre o mercado, mas a medida pode revelar-se mais simbólica do que eficaz, podendo gerar efeitos colaterais no investimento produtivo sem trazer solução à génese do problema, que reside na escassez estrutural de oferta.
Em traços gerais, estas medidas revelam uma intenção clara de aumentar a oferta habitacional, mas deixam de fora aspetos estruturais que são decisivos para recuperar a confiança de promotores imobiliários e a coerência do sistema fiscal.
Neste plano, no domínio dos incentivos à reabilitação urbana, a uniformização jurisprudencial que veio apoiar a posição restritiva (e, a nosso ver, contrária à lei) da Autoridade Tributária quanto à aplicação da taxa reduzida de IVA a determinadas empreitadas de construção habitacional, veio levantar um nível de incerteza e litigância no setor da promoção residencial que não se coaduna com o espírito de incentivo que este Governo procura promover. Com efeito, as inspeções fiscais em curso e as liquidações de imposto adicional àqueles que procuraram reabilitar as cidades e trazer novos fogos às famílias em uso dos incentivos previstos na lei, estão a fazer investidores e promotores pensar várias vezes antes de decidir embarcar em novos projetos, principalmente os dirigidos à classe média. Sem uma clarificação legislativa que estanque a incoerência, incerteza e litigância, poderão sair gorados os planos agora apresentados pelo Governo para um choque habitacional.
Por fim, a manutenção de um regime de taxas agravadas de IMT e IMI para entidades sediadas em determinadas jurisdições, ainda que cooperantes e com procedimentos de transparência e troca efetiva de informações fiscais em vigor, tem afastado uma importante fatia de investimento estrangeiro, não só no setor imobiliário mas na economia em geral, sem ganhos reais em matéria de combate à evasão fiscal, pelo que seria importante que o OE2026 procurasse inverter esta tendência.
Se por um lado vemos com bons olhos grande parte das medidas apresentadas pelo Governo para incentivar um aumento expressivo de novos fogos no mercado, incluindo o de arrendamento, sem corrigir as falhas estruturais que afloramos acima, o enquadramento fiscal poderá manter-se fragmentado e desalinhado com os objetivos de dinamização do mercado habitacional, comprometendo a eficácia das medidas anunciadas.