A digitalização é um dos principais desafios que as empresas multinacionais (“EMN”) enfrentam quer pelo potencial impacte nos seus modelos de negócio quer pelo aumento dos custos de contexto sob a forma de regulamentações fiscais complexas e de esforços de aplicação mais rigorosos. Em matéria de preços de transferência (“PT”) acrescem desafios como o aumento do volume e a complexidade das transações comerciais internacionais. Como tal, uma organização do planeamento fiscal digital e uma monitorização robusta e automatizada das suas atividades de negócio revelam-se determinantes para que as EMN não sejam penalizadas quer pelas administrações fiscais quer pelos consumidores.
Neste contexto, o planeamento fiscal internacional, do qual os PT são parte determinante, enfrenta uma mudança de paradigma estrutural liderada pelo conceito de “inteligência artificial” (“IA”). Considerada um ramo da ciência da computação, a IA consiste na capacidade que uma máquina tem para reproduzir e potenciar competências semelhantes às humanas como é o caso do raciocínio, a aprendizagem, o planeamento e a criatividade. Ora sendo as ferramentas utilizadas pelos profissionais de PT, nas suas tarefas rotineiras, programas informáticos que dependem principalmente da intervenção humana, os potenciais ganhos de produtividade decorrentes da aplicação da IA afiguram-se promissores.
Acresce que os PT, sendo um conceito que se situa entre o direito e a economia, estão no cerne de qualquer projeto de reorganização empresarial e, por conseguinte, serão sempre parte integrante da transformação digital de cada EMN. São aliás inúmeras as vantagens de uma gestão digitalizada dos PT que podem ir desde a visualização interativa dos fluxos transfronteiriços até à adaptação automática das políticas de PT em função das reorganizações empresariais e das regulamentações nacionais e internacionais. Neste âmbito, a IA pode ser aproveitada de duas maneiras – minimizar a exposição ao risco e criar valor. No âmbito particular dos PT pode ainda permitir redirecionar o foco, atualmente concentrado nas tarefas de compliance, para as cadeias de valor globais e análise das implicações estratégicas das decisões de PT.
A título de exemplo, a IA pode permitir a otimização do processo de localização das diferentes partes da cadeia de valor da Propriedade Intelectual com as funções DEMPE (do inglês “Development, Enhancement, Maintenance, Protection and Exploitation of intangibles”). Numa economia cada vez mais digital, é necessário que uma EMN esteja apta a mapear os múltiplos incentivos à investigação e inovação disponibilizados pelas diversas jurisdições. Todavia, este exercício só trará valor acrescentado se atualizado automaticamente incluindo, por exemplo, notificações sobre as últimas atualizações nas legislações locais e internacionais que possam ter impacte nos modelos de negócio implementados.
O uso da IA pode simplificar a complexidade dos PT e tornar o processo mais eficiente, transparente e em conformidade com as legislações locais e internacionais. No entanto, é preciso recordar que estas oportunidades só podem ser alcançadas após um investimento inicial na digitalização dos dados internos das EMN, sem os quais nenhuma IA funciona.