A Autoridade Tributária (AT) tem sido implacável na emissão de liquidações adicionais de IVA a sujeitos passivos adquirentes de serviços de construção civil que, por incúria ou incerteza que se podem enquadrar no âmbito da “negligência desculpável”, não procederam à entrega do IVA, cumprindo com o regime de inversão do sujeito passivo (auto-liquidação). Contudo, estamos a falar de situações em que o sujeito passivo adquirente de serviços de construção civil recebe faturas erradamente emitidas com IVA pelo prestador de serviços, paga o IVA dessas faturas, o qual, por sua vez, é entregue ao Estado – ainda que pela pessoa errada. Ora, diríamos, sem dúvida, estar perante uma situação de duplo pagamento de imposto quando, relativamente a um mesmo serviço, o IVA é, por um lado, entregue ao Estado, ainda que indevidamente, pelo prestador de serviços, e, por outro, liquidado e cobrado pela AT junto do sujeito passivo adquirente, com base na regra de inversão do sujeito passivo aplicável aos serviços de construção civil. Porém, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), num acórdão de 27.02.2013, entendeu que o pagamento do IVA efetuado pelo prestador de serviços de construção de civil não é devido, uma vez que o sujeito passivo do imposto é o adquirente desses serviços. Não sendo devido tal pagamento, de acordo com o STA não faz qualquer sentido que se prescinda do pagamento por parte de quem legalmente está obrigado a esse pagamento. Neste contexto, o STA concluiu que o facto de o adquirente ter pago o IVA indevidamente liquidado pelo prestador de serviços não o autoriza a deduzir esse mesmo IVA. Por outro lado, o STA entendeu que o pagamento do imposto indevidamente liquidado pelo prestador de serviços poderá ser recuperado, designadamente, mediante retificação da fatura inexata (aquela em que o IVA foi indevidamente cobrado). Todavia, importa referir que esta regularização está condicionada a um prazo de 2 anos. De notar, ainda, que este entendimento do STA foi acolhido pela AT na Informação Vinculativa n.º 8404, de 24.07.2015.
Recentemente, uma corajosa Decisão Arbitral (proferida no âmbito do processo n.º 39/2024-T) veio pôr em causa este entendimento. De acordo com o coletivo de árbitros que proferiu esta Decisão é irrelevante saber se a situação em causa configura ou não uma duplicação de coleta. Importa, antes, avaliar se uma liquidação adicional de IVA, no contexto acima assinalado, respeita o princípio da proporcionalidade, o qual deverá apoiar-se, entre outros, no critério da necessidade, e o princípio da justiça.
Com efeito, o Tribunal Arbitral entendeu que uma liquidação adicional de um imposto que já foi pago e entregue nos cofres do Estado não preenche o critério da necessidade, porquanto a mesma visa o pagamento de (mais) imposto legalmente devido quando é certo não existir qualquer prejuízo para o Estado, uma vez que o mesmo valor de imposto foi liquidado por outa via e deu entrada nos cofres do Estado.
Por outro lado, admitir um método corretivo para sanar uma dupla liquidação de imposto, dependente da vontade do prestador de serviços e sujeita a limitações temporais, que pode, com grande probabilidade, não vingar, é aceitar que um sujeito passivo deve suportar um encargo económico com o dobro do valor daquele que, segundo a lei, deveria ter auto-liquidado. Neste contexto, o Estado teria um “enriquecimento sem causa” de valor igual ao do imposto devido (e pago), o que resultaria numa manifesta violação do princípio da justiça.
Esta Decisão Arbitral veio, em boa hora, abrir um novo caminho argumentativo para os sujeitos passivos contestarem liquidações adicionais de IVA que não tenha sido auto-liquidado, mas que tenha sido efetivamente pago ao prestador de serviços que indevidamente liquidou esse imposto. Porém, para evitar um crescente contencioso – pernicioso para ambas as partes (sujeitos passivos e AT) – seria absolutamente crucial que, face ao conteúdo desta Decisão, a AT reavaliasse a sua posição, não se considerando que, para tal, fosse necessário promover alguma alteração às regras do Código do IVA atualmente em vigor.