Em tempos de crise como os que vivemos, os instrumentos financeiros intragrupo são utilizados pelos grupos multinacionais como uma forma de otimizar a sua estrutura de custos através da captação de excedentes de tesouraria originados no seu seio e da alocação de fundos a subsidiárias deficitárias. Não obstante, na implementação de tais instrumentos é crucial assegurar que a taxa de juro definida é similar à praticada por entidades independentes em circunstâncias comparáveis (i.e. ou seja, garantir a aplicação do princípio da plena concorrência). Esta problemática revela-se ainda mais pertinente considerando que, tipicamente, as Autoridades Tributárias incrementam o número de inspeções fiscais em anos de recessão económica.
Então, como devo definir a minha taxa de juro de plena concorrência?
Por norma, a definição de uma taxa de juro de plena concorrência implica a análise de diversos fatores intrínsecos ao instrumento financeiro, nomeadamente o montante; a sua maturidade; a sua natureza ou finalidade; o nível de subordinação; notação de risco do mutuário; localização geográfica do mutuário; moeda; entre outros.
Ainda que a maior parte dos fatores acima referidos sejam fáceis de identificar e tenham por base uma análise objetiva, a determinação da notação de risco do mutuário implica um exercício mais subjetivo. De facto, a legislação portuguesa de preços de transferência é omissa quanto às práticas a adotar aquando da análise de um instrumento financeiro intragrupo resultando em várias questões: Devo considerar a notação de risco do grupo? Ou da empresa? A subordinação da dívida é relevante?
Ora, considerando o racional económico subjacente a qualquer instrumento financeiro (i.e., maior risco = maior retorno), facilmente se conclui que a subordinação da dívida é crucial para determinar a taxa de juro de plena concorrência. Em situações de insolvência do mutuário, a graduação de créditos e correspondente hierarquia de pagamento dita que os créditos garantidos serão prioritários implicando um risco inferior e que os créditos subordinados serão pagos por último resultando, em consequência, num risco superior.
Neste sentido, para determinar o risco de crédito subjacente a dívidas subordinadas ou similares, as principais agências de rating defendem uma metodologia designada de notching. Numa primeira fase, estima-se a notação de risco da empresa com base na sua solvabilidade e na sua capacidade de cumprir com os seus pagamentos. Numa segunda fase, considerando o tipo de dívida ou obrigação emitida (e.g., garantida / não garantida, ações preferenciais / obrigações convertíveis), é efetuado um exercício de notch up / notch down com base na sua segurança ou prioridade de reclamação. Como consequência, a classificação de crédito dessas dívidas ou obrigações específicas é, por norma, ligeiramente diferente da notação da empresa devido a riscos ou restrições únicas das mesmas.
Atendendo ao exposto, uma entidade classificada como AA pode dispor de instrumentos financeiros com diferentes notações de risco (e.g., dívida subordinada com notação de A e dívida garantida com notação de AAA), os quais resultam em diferentes taxas de juro de plena concorrência. Assim, a definição de uma taxa de juro de plena concorrência requer uma análise robusta e cuidada dos termos e condições subjacentes ao instrumento financeiro, particularmente, no que se refere à subordinação da dívida e notação de risco: temática crucial em momentos de instabilidade económica em que se estima um maior escrutínio por parte das Autoridades Tributárias.