Em concreto, prevê o diploma que “são integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte como direta consequência da aquisição ou uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos necessários à realização do trabalho, (…) incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como os custos de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas.”
O diploma prevê ainda que a compensação em questão é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador.
Sobre estes pontos, suscitam-se, numa primeira leitura, algumas dúvidas referentes aos montantes aceites para efeitos fiscais, entre as quais as seguintes:
- Como é que é possível documentar, monitorizar ou repartir os gastos de energia imputáveis a cada membro do agregado familiar por forma a assegurar que não existam situações de “abuso” no cálculo do acréscimo (por exemplo, decorrente de filhos menores se encontrarem em ensino online)?
- Se mais do que uma pessoa estiver em regime de teletrabalho na mesma habitação (por exemplo, progenitor(es) e descendente(s) que já iniciaram a vida profissional), como é que opera, junto das diversas entidades empregadoras, o direito ao reembolso destes custos acrescidos?
- Nos meses em que não vigore o teletrabalho, a empresa vê-se impossibilitada de reembolsar gastos sem efeitos fiscais adversos?
- Num cenário em que se conclua que não houve um acréscimo de gastos, pelo facto de no mês homólogo do ano anterior, as pessoas terem estado em teletrabalho, caso uma empresa decida voluntariamente que deve atribuir uma compensação aos colaboradores, tal significa, da aplicação literal das regras, que o gasto não é dedutível em sede de IRC (pese embora o mesmo ser claramente indispensável à respetiva atividade empresarial) ou que, para o ser, terá que configurar rendimento sujeito a tributação em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social (invertendo a lógica que entendemos terá presidido às alterações introduzidas sobre esta matéria no intuito de qualificar este dispêndio financeiro como uma compensação e não como uma remuneração)?
- O conceito de acréscimo de custos de energia engloba os valores de taxas municipais e outros tributos que sejam eventualmente objeto de atualização anual?
- Ou, em alternativa, este conceito deve somente incluir custos que oscilem em função do consumo efetivo e não custos fixos?
- No caso de um colaborador que tenha entrado numa empresa em fevereiro de 2020, como deve ser apurada a compensação devida por comparação com o mês de janeiro de 2021, período em que o colaborador não esteve nessa empresa?
Em face das dificuldades práticas que as questões acima elencadas (e muitas outras se poderão colocar certamente), é legitimo questionar o legislador sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade no que respeita à necessidade (legítima) de a AT controlar o apuramento do lucro tributável das empresas com o custo que o controlo (a priori, pelas empresas e a posteriori, pelas autoridades tributárias e da Segurança Social) desta regra acarreta.
Certamente, existirão outros temas mais críticos que justifiquem uma mais eficiente afetação de recursos públicos. Começando pelo tempo de trabalho que os inspetores tributários gastarão com esta análise e para não falar do acréscimo de litigância desnecessária que poderá surgir pelas indefinições que a redação do diploma encerra.
Como alternativa bastante mais pragmática de lidar com as problemáticas acima referidas que, em nosso entender, não oneraria mais ainda as empresas em termos de tempo gasto com o cumprimento de obrigações fiscais, seria a definição de um valor fixo (por exemplo, 25€ nos moldes que foram divulgados publicamente pela associação DECO) da compensação mensal por acréscimos de custos de energia e de rede que seja considerada, para efeitos fiscais, gasto para o empregador e não constitua rendimento do trabalhador. Acima desse valor, seria exigida comprovação documental.
Mais não estaríamos a conferir o mesmo tratamento fiscal que o legislador já conferiu, há muitos anos, ao reembolso de ajudas de custo e quilómetros em viatura própria.
Será que ainda iremos a tempo de o legislador simplificar a operacionalização de um regime que é meritório, mas que corre o risco de subverter a lógica de custo-benefício inerente à aplicação do princípio da proporcionalidade, i.e., o benefício social esperado com uma medida deve ser igual ou superior aos custos sociais impostos pela mesma?