Em função da pressão exercida pela opinião pública e, bem assim, pela necessidade de adoção de políticas mitigadoras do aquecimento global, a generalidade dos Estados tem vindo a implementar ou alargar os respetivos modelos de tributação do Carbono (instituindo os denominados “carbon taxes”).
Independentemente do modelo instituído ou das qualificações jurídico-tributárias associadas, a tributação do Carbono não escapa à regra mais elementar em sede de tributação indireta, segundo a qual é o consumo efetivo de certos produtos (logo, o destinatário final) que deve ser onerado, porque apenas neste cenário se poderá implementar – ainda que liminarmente – uma alteração de comportamento, tomada de consciência ou correção de falha de mercado.
Neste contexto, um aspeto transversal aos Impostos Especiais de Consumo (“IECs”) é a sua natureza dita corretiva, assente numa lógica de construção Pigouviana, cujo propósito consiste em induzir os sujeitos passivos a internalizar uma externalidade associada ao consumo de determinados produtos.
Visando repor o nível de eficiência no mercado – em especial, a eficiência no consumo – também aqui preocupações de sustentabilidade fundamentam a exigência de uma prestação que onere os contribuintes na medida dos custos por estes provocados.
Deste modo, paralelamente à função fiscal, uma função extrafiscal dos IECs tem prevalecido, de onde resulta que este tipo de impostos é utilizado não apenas como uma forma (em princípio, legítima) de angariação de receita fiscal, mas também de indução e modelação de comportamentos que atinge com uma expressão crescente as atividades ricas em produção/emissão ou em consumo de Carbono.
Enquanto um dos elementos químicos mais abundantes no planeta, o Carbono é libertado na decorrência de diversos processos naturais, mas ainda industriais (tais como a produção de condutores elétricos, térmicos, mecânicos, plásticos, óleos, etc.). O Carbono é amplamente utilizável por ser um composto que permite a formação de diversas moléculas como sejam o Dióxido de Carbono (em conjunto com o Oxigénio) ou os Hidrocarbonetos (em conjunto com o Hidrogénio), estes últimos indiscutivelmente essenciais ao nível da produção de energia e transporte (aqui na forma de combustíveis derivados do Petróleo e do Gás Natural).
Numa lógica similar à dos IECs, o alarme provocado pela presente crise climática suscita a importância da Fiscalidade Verde, nomeadamente em prol de um desejável aumento da “receita fiscal carbónica”, onde o Carbono é tributado nos mais diversos produtos, aplicações e utilizações.
Como consequência, antevemos duas óticas sobre as quais a referida “receita fiscal carbónica” deverá ser analisada. Por um lado, com a generalização do contexto ESG, os policy-makers intensificam a adoção de políticas de mitigação no consumo de Carbono e procedem a um aumento no peso dos impostos que incidem sobre este.
Ao mesmo tempo, ainda nesta perspetiva, as empresas serão (na realidade, já estão) obrigadas a quantificar a sua exposição e pegada de Carbono em sede de relatórios ESG. A análise da referida exposição incluirá quer as emissões diretas (utilização de sistemas de aquecimento, energia, utilização de viaturas de empresa, entre outros) quer as emissões indiretas de Carbono (aquelas que asseguram a respetiva cadeia de abastecimento) as quais variam significativamente consoante os setores de atividade (enquanto a pegada média de Carbono para uma empresa em geração de energia elétrica será de 97,8% de emissões diretas e 2,2% de emissões indiretas, para uma empresa do retalho será de apenas 1,3% de emissões diretas e 98,7% de emissões indiretas, Estudo EY). Logo, a quantificação da pegada de Carbono de uma empresa deve considerar igualmente os custos diretos de uma tributação sobre o Carbono (ou seja, o custo no momento em que o imposto é aplicável), mas ainda os custos indiretos (ou seja, o impacto que se pode antecipar ao nível do incremento de preços ao longo de toda e de cada cadeia de fornecimentos).
Apenas desta forma se podem antecipar mudanças de políticas relacionadas com o Carbono e identificar áreas de foco para a adoção de estratégias de mitigação (modelagem e planeamento financeiro são instrumentos essenciais no combate aos múltiplos desafios ambientais e climáticos existentes).
Se os stakeholders já avaliam o desempenho e risco das empresas pelo uso de fatores Ambientais, Sociais e de Governação (ESG) adequados, os consumidores demonstram preferir empresas que operem em conformidade com valores vocacionados para a sustentabilidade – ou seja, a vinculação aos fatores ESG já é um fator muito relevante na gestão de risco das empresas, ao mesmo tempo que incrementa o valor nas cadeias de fornecimentos a longo prazo.
Numa perspetiva mais prática, a 1 de julho entram em vigor a Taxa de Carbono sobre as Viagens Aéreas (no montante de €2 por cada passageiro transportado) e a Taxa de Carbono sobre as Viagens Marítimas (no montante de €2 por passageiro, em trânsito, desembarque ou embarque), introduzidas pelo artigo 390.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31.12.2020) e regulamentadas pela Portaria n.º 38/2021, de 16.02.2021.
Em traços gerais, no primeiro caso, a taxa incide sobre todos os negócios jurídicos que atribuam a um passageiro um título de transporte aéreo comercial que lhe permita deslocar-se a bordo de uma aeronave movida a energia fóssil, com partida de um aeroporto ou aeródromo situado em território português. Estão também incluídos, entre outros, os contratos de transporte realizados mediante a compra de bilhetes de avião, as reservas de pacotes de férias ou a atribuição de voos bónus, oferta ou prémio. Existem, contudo, isenções com destaque para voos realizados com destino aos aeroportos e aeródromos situados na Região Autónoma da Madeira (RAM) e na Região Autónoma dos Açores (RAA) ou para voos com destino ao território nacional e partida nos aeroportos e aeródromos situados nas RAM e na RAA, entre outros.
Já a Taxa de Carbono sobre as Viagens Marítimas incide sobre a atracagem de navios de passageiros movidos a energia fóssil nos terminais localizados em território de Portugal continental para abastecimento, reparação, embarque ou desembarque de passageiros. Numa ótica de sustentabilidade ou promovendo a eficiência energética, encontram-se igualmente previstas certas isenções ou reduções, como por exemplo, os navios de passageiros que façam operação de «turnaround» nos portos nacionais, os quais beneficiam de uma redução de 50% no valor da taxa.
Em conclusão, os fatores ESG e a sua conexão à receita fiscal carbónica (com impacto no consumidor final) são já uma realidade que não se vai evaporar nas décadas vindouras.