Opinião

Com os ases já lançados, o que sobra para a Proposta de Orçamento?

O pós-rentrée tem sido prolífico em medidas fiscais, mas a Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2026 (“PLOE 2026”) poderá ainda assim trazer boas notícias.

Redução da taxa geral de IRC em 1 p.p. por ano até atingir 17% em 2028; criação dos grupos de IVA; redução da taxa de IVA para 6% na construção de habitações para venda até 648 mil euros ou para arrendamento até 2.300 euros; redução da taxa de IRS (de 25% para 10%) para senhorios que pratiquem rendas até 2.300 euros; aumento (para 900 euros em 2026 e 1.000 euros em 2027) das deduções em sede de IRS com rendas de habitação; isenção do pagamento do adicional ao AIMI no caso de habitações colocadas para arrendamento até 2.300 euros.

As medidas acima são apenas as mais “emblemáticas” entre as várias iniciativas fiscais que foram abrindo os noticiários nas últimas semanas. Todas têm em comum o facto de resultarem de Propostas de Lei (do Governo), poderem permitir alívio ou otimização fiscal e (o mais inusitado) terem sido aprovadas ou apresentadas pouco tempo antes da PLOE 2026 (ainda que o impacto orçamental daquelas medidas possa entrar no OE 2026).

Seja porque o jogo das autárquicas assim o ditou ou porque o Governo está empenhado em garantir apoio parlamentar medida a medida em matérias consideradas estruturais, a verdade é que a discussão das medidas fiscais para o próximo ano foi largamente antecipada, pairando a dúvida sobre se ainda haverá espaço para medidas fiscais de relevo na PLOE 2026.

Prevemos que sim, em particular em sede de impostos diretos (IRS e IRC).

Começando pelo IRS, a inclusão de medidas de redução deste imposto na PLOE 2026 deverá ser uma inevitabilidade, uma vez que em julho de 2025 o Governo ficou vinculado pela Assembleia da República a avançar com uma proposta de reformulação da tabela do IRS para 2026, nomeadamente para consagrar uma descida, em 0,3 p.p., das taxas marginais do 2.º ao 5.º escalão. Veremos se a PLOE 2026 é mais ambiciosa ou se se cinge àquilo a que o Governo já estava vinculado.

Ao nível do IRC as certezas não são tantas, mas as principais expectativas centram-se nas tributações autónomas e Derrama Estadual.

As alterações no âmbito das tributações autónomas têm sido recorrentes nos últimos anos, pelo que se antecipam (mais) novidades nesta sede. O compromisso assumido no Acordo Tripartido de Concertação Social para a redução destas tributações em 20% (até 2028) pode indiciar eventuais reduções de taxas já em 2026.

No que respeita à Derrama Estadual, o Governo já reconheceu o impacto que a imposição de estruturas progressivas de taxas tem tido em fenómenos de fragmentação do lucro por estruturas multi-societárias, pelo que a PLOE 2026 poderá trazer boas notícias para as empresas com lucros tributáveis acima de 1,5 milhões de euros. Sendo esta uma “bandeira” do Chega!, a redução da taxa do primeiro escalão da Derrama Estadual (nomeadamente de 3% para 2%) poderá ser uma boa novidade da PLOE 2026.

No âmbito do IVA, não obstante a “pressão” das confederações empresariais, 2026 ainda não deverá trazer uma redução da taxa máxima (de 23%) daquele imposto. De facto, em linha com o antecipado no Programa do Governo, o esforço de redução de impostos no OE 2026 deverá ser concentrado nos impostos diretos, não obstante o impacto orçamental da redução do IVA na construção de habitação que já foi entretanto divulgado –, pelo que não se espera que a PLOE 2026 traga alívio fiscal relevante em sede de IVA.

Nos impostos sobre o património a urgência do tema da habitação tem levado à apresentação sistemática de medidas “avulsas” (as últimas apresentadas há dias), antevendo-se que a PLOE 2026 seja parca em alterações a este tipo de tributos.

Finalmente, existe alguma expectativa em perceber como o objetivo de simplificação fiscal constante do Programa do Governo (incluindo a eliminação de exceções, regimes especiais e incentivos fiscais dependentes de condições pouco observáveis) se vai refletir na PLOE 2026, e, mais do que isso, como é que aquele desiderato vai ser conciliado com o propósito de reforço da estabilidade tributária também pretendido pelo Governo. As cerca de 90 propostas do recente Relatório da Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes podem eventualmente servir já de alguma inspiração, mas ditam as boas práticas que o Governo sujeite as respetivas conclusões a discussão pública previamente à iniciação de um processo legislativo tendente à respetiva concretização.